(C) Global Voices This story was originally published by Global Voices and is unaltered. . . . . . . . . . . “Prefiro morrer por causa de um míssil do que de tristeza em outra cidade”: Por que os ucranianos não estão deixando suas casas [1] ['Anna Shabanova-Serdechna'] Date: 2024-06-23 Sirenes, bombardeios, lágrimas, destruição: essas são as realidades de um dia comum em uma área de linha de frente no leste da Ucrânia. A região de Donetsk, com mais da metade atualmente ocupada pela Rússia, é bombardeada de 1.500 a 2.500 vezes quase que diariamente. Grande parte desse bombardeio tem como alvo edifícios residenciais e infraestruturas essenciais, como abastecimento de água e eletricidade. Ainda assim, para muitos, deixar suas casas não é uma opção. Enquanto muitos não saem por necessidade, pois não têm outro lugar para ir, por exemplo, outros estão tomando uma decisão consciente de ficar, apesar de terem oportunidades de se mudar para uma área mais segura, na maioria das vezes mais perto de suas famílias. Viktor e Nadiia são exatamente um exemplo disso. Tendo se conhecido em Hirnyk, na região de Donetsk, eles decidiram passar suas vidas lá, estabeleceram-se e constituíram uma família. Viktor estava trabalhando no setor de carvão, como muitos no Donbas, enquanto Nadiia trabalhava no varejo esporadicamente, mas, na maioria das vezes, ficava em casa para cuidar dos dois filhos. Para eles, a ideia de sair de casa e se mudar está fora de cogitação e nunca consideraram essa possibilidade, apesar das dificuldades de viver a apenas 12 quilômetros (7 milhas) da linha de frente. Permanecer contra a vontade da família Naturalmente, as famílias de Viktor e Nadiia, a princípio, os incentivaram a mudar da região. Quando a invasão mais recente começou, a neta deles, que administra uma fundação de ajuda humanitária em Dnipro, sugeriu que eles se mudassem temporariamente para o abrigo da fundação para pessoas deslocadas internamente, com planos de alugar uma casa mais permanente para os avós em Dnipro, o que eles recusaram. A neta Alina, disse: I decided not to push them to evacuate, as I know from life experience that it cannot lead to anything good. Many years ago, when my great-grandfather died and my great-grandmother from my father’s side was left on her own, my grandmother decided to move her closer to take care of her. A couple of weeks later, she spiraled down into heavy depression, and in a couple of months, her dementia progressed exponentially. My grandmother always regretted taking away her mother’s independence, so I would never do the same to my older family members. Decidi não pressioná-los a evacuar, pois sei, por experiência própria, que isso não leva a nada de bom. Há muitos anos, quando meu bisavô morreu e minha bisavó paterna ficou sozinha, minha avó decidiu mudá-la para mais perto para cuidar dela. Algumas semanas depois, ela entrou rapidamente em depressão profunda e, em alguns meses, sua demência progrediu exponencialmente. Minha avó sempre se arrependeu de ter tirado a independência de sua mãe, então eu nunca faria o mesmo com meus familiares mais velhos. Certamente, Nadiia e Viktor se sentem muito mais sozinhos agora, pois sentem falta de passar tempo com a família e os amigos como costumavam fazer. Anteriormente, a família ia à casa deles todo fim de semana e eles passavam o dia inteiro juntos em volta da mesa no jardim. Nadiia acrescentou: I certainly understand why people are leaving. Life here is hard and lonely. Our daughter lives pretty far away, so it is hard for her to visit us often. And our son lives in Saint Petersburg with his wife, so we never see each other anymore. For us things like going to the store are becoming increasingly difficult because we are getting older and older, but not seeing our family the way we used to is more painful. I understand why people would move to be closer to their families, but our life is here, and we would not be able to live anywhere else. Eu certamente entendo a razão das pessoas irem embora. A vida aqui é difícil e solitária. Nossa filha mora bem longe, então é difícil para ela nos visitar com frequência. E nosso filho mora em São Petersburgo com sua esposa, então nunca mais nos vemos. Para nós, coisas como ir ao supermercado estão se tornando cada vez mais difíceis, porque estamos ficando cada vez mais velhos, mas não ver nossa família como antes é mais doloroso. Entendo a razão de as pessoas se mudarem para ficar mais perto de suas famílias, mas nossa vida é aqui e não poderíamos viver em outro lugar. “Prefiro morrer por causa de um míssil do que de tristeza em outra cidade”, diz Viktor com um leve sorriso no rosto, caminhando em direção ao seu jardim. Ao observar as árvores, as flores e os vegetais cultivados em casa, surge uma sensação muito estranha: serenidade absoluta, mesmo com os sons distantes de tiros. O enorme cuidado e amor pela natureza, bem como a paixão e o desejo de viver, são evidentes nesse jardim pequeno, mas bem cuidado. Parece que, para Viktor e Nadiia, esse jardim não é apenas uma lembrança de seus momentos felizes com a família e os amigos, mas também uma projeção de esperança e intenções para o futuro. Quando perguntado sobre o que a invasão em grande escala mudou em suas vidas, Viktor respondeu imediatamente que em nada. Entretanto, depois disso, ele prontamente mencionou que não consegue mais acessar a televisão ucraniana, pois foi bloqueada e substituída por canais russos. Em tom de brincadeira, ele disse que não sabe como consegue se manter são nessas circunstâncias. Olhando ao redor, a área, antes obviamente cheia de famílias, agora parece deserta. Muitas pessoas deixaram o bairro, o que torna difícil para Viktor e Nadiia executar tarefas comuns, como ir à loja para comprar produtos. “Costumávamos pedir a alguns de nossos vizinhos que fossem à loja para nós, mas agora não há mais ninguém a quem possamos pedir. Felizmente, nossa neta vai com frequência à região de Donetsk para trabalhar e nos traz o que precisamos”. No início, nem Viktor nem Nadiia mencionaram o acesso instável à água, à eletricidade e à Internet como um desafio para eles. Quando feita a pergunta diretamente, eles simplesmente disseram que se acostumaram a não depender tanto dessas conveniências modernas. “É claro que ajuda o fato de estarmos em nossa própria casa, então é mais fácil armazenar água para uso posterior ou simplesmente sair e fazer jardinagem quando não temos eletricidade. Se morássemos em um apartamento, seria muito mais difícil”, diz Nadiia. Permanecer como um ato de resistência “Não posso dar a eles [russos] a satisfação”, diz Viktor. Para ele e Nadiia, partir significaria desistir em um sentido mais amplo: desistir de sua terra natal e de suas raízes familiares. Ele acrescenta: It is true that some people who remain here are waiting for the Russians to come and take over, but most of us just wish for a peaceful life in our own country. We love our land, we have lived here for decades, both alone and with our children and grandchildren, so if we leave it we would feel like we are giving our whole life up to Russians. We are pretty comfortable here, we have our pensions and a comfortable home with lots of happy memories, so the least we could do is stay, continue our life here, and pray for those who are protecting us right now. É verdade que algumas pessoas que permanecem aqui estão esperando que os russos cheguem e assumam o controle, mas a maioria de nós deseja apenas uma vida pacífica em nosso próprio país. Amamos nossa terra, vivemos aqui há décadas, tanto sozinhos quanto com nossos filhos e netos, portanto, se a deixarmos, sentiremos que estamos entregando toda a nossa vida aos russos. Estamos bem confortáveis aqui, temos nossas aposentadorias e uma casa confortável com muitas lembranças felizes, então o mínimo que podemos fazer é ficar, continuar nossa vida aqui e orar por aqueles que estão nos protegendo neste momento. A estratégia de bombardeio russo, que geralmente tem como alvo edifícios civis e infraestrutura, visa desmoralizar completamente a população local e forçar os sobreviventes a deixar tudo para trás e evacuar. Ainda assim, para pessoas independentes e corajosas como Nadiia e Viktor, a dignidade de permanecer fiel a si mesmo, ao seu lar e à sua terra natal não pode ser anulada pelo medo. [END] --- [1] Url: https://pt.globalvoices.org/2024/06/23/prefiro-morrer-por-causa-de-um-missil-do-que-de-tristeza-em-outra-cidade-por-que-os-ucranianos-nao-estao-deixando-suas-casas/ Published and (C) by Global Voices Content appears here under this condition or license: https://globalvoices.org/about/global-voices-attribution-policy/. via Magical.Fish Gopher News Feeds: gopher://magical.fish/1/feeds/news/globalvoices/