(C) Global Voices This story was originally published by Global Voices and is unaltered. . . . . . . . . . . Hong Kong: O subtexto político por trás dos pedidos de renúncia de juízes estrangeiros não permanentes [1] ['Oiwan Lam'] Date: 2024-06-24 Menos de duas semanas depois que o Tribunal Superior de Hong Kong condenou 14 políticos pró-democracia por “conspiração para cometer subversão”, no caso histórico de segurança nacional da cidade que envolveu 47 defensores da democracia, três juízes estrangeiros da Corte de Apelação Final apresentaram pedidos de renúncia. Como ex-colônia britânica, Hong Kong continuou adotando o sistema de Common Law após a transferência para a China em 1997. A nomeação de juízes não permanentes (NPJs) de outras jurisdições de Common Law é um mecanismo para garantir a independência do judiciário da cidade de acordo com a política chinesa “Um país, dois sistemas”, como explicado por Melissa Pang, então presidente da Law Society of Hong Kong: NPJs are all eminent judicial officers highly respected in their own jurisdictions and committed to the fair administration of justice in accordance with the law. Their acceptance of the appointment as NPJs to sit on the city’s top court sends a clear message of their confidence in Hong Kong’s judicial system in upholding the rule of law and judicial independence. Os NPJs são todos eminentes oficiais de justiça, altamente respeitados em suas próprias jurisdições e comprometidos com a administração imparcial da justiça de acordo com a lei. Sua aceitação da nomeação como NPJs para fazer parte do Tribunal Superior da cidade envia uma mensagem clara de sua confiança no sistema judicial de Hong Kong na defesa do estado de direito e da independência judicial. As renúncias, portanto, significam uma visão pessimista da independência judicial de Hong Kong. “Hong Kong está lentamente se tornando um estado totalitário” As três mais recentes renúncias são dos dois importantes juízes britânicos, Lorde Lawrence Collins e Lorde Jonathan Sumption, e a juíza canadense Beverley McLachlin. Lorde Collins disse ao Financial Times que sua renúncia estava relacionada à “situação política” em Hong Kong. Posteriormente, Lorde Sumption escreveu uma longa declaração no Financial Times explicando que “não é mais realista” a ajuda de juízes estrangeiros para manter o estado de direito em Hong Kong. “Hong Kong, once a vibrant and politically diverse community is slowly becoming a totalitarian state.” Whoa. Big piece by former UK Supreme Court Judge and Hong Kong overseas judge Jonathan Sumption who resigned a few days ago. https://t.co/Afh11gNXZM — Timothy McLaughlin (@TMclaughlin3) June 10, 2024 ‘Hong Kong, que já foi uma comunidade vibrante e politicamente diversificada, está lentamente se tornando um estado totalitário.’ Uau. Grande artigo do ex-juiz da Suprema Corte do Reino Unido e juiz estrangeiro de Hong Kong, Jonathan Sumption, que renunciou há alguns dias. Posteriormente, Lorde Sumption explicou em um programa de rádio da BBC que a recente condenação de 14 ativistas pró-democracia foi a “gota d'água” para sua renúncia. A sentença da Suprema Corte afirmou que os 47 ativistas, que participaram da organização de primárias não oficiais entre candidatos pró-democracia para concorrer às eleições do Conselho Legislativo (Legco) em 2020, estavam envolvidos em um plano para forçar o Chefe do Executivo a renunciar, pois assinaram uma declaração concordando em pressionar pelo sufrágio universal e outras concessões em troca da aprovação do orçamento quando ganhassem as eleições. No entanto, Lorde Sumption argumentou contra a decisão da Suprema Corte em sua declaração ao Financial Times, uma vez que o poder de vetar o orçamento está escrito na Lei Básica e, portanto, deve ser protegido institucionalmente: …the High Court decided that rejecting the budget was not a permissible means of putting pressure on the chief executive to change his policies. […] That would interfere with the performance of his functions. The result is that Legco cannot exercise an express constitutional right for a purpose unwelcome to the government. Putting a plan to do this before the electorate was branded a criminal conspiracy. The maximum sentence is life imprisonment, the minimum 10 years. …a Suprema Corte decidiu que rejeitar o orçamento não era um meio admissível para pressionar o chefe do executivo a fim de mudar suas políticas. […] Isso interferiria no desempenho de suas funções. O resultado é que o Legco não pode exercer um direito constitucional expresso para uma finalidade indesejada pelo governo. Apresentar um plano para fazer isso ao eleitorado foi considerado uma conspiração criminosa. A pena máxima é de prisão perpétua e a mínima, de 10 anos. Embora Lorde Sumption ainda tenha esperança de que a Corte de Apelação possa reverter a sentença, ele destacou três problemas que criaram um “ambiente político impossível”. A primeira é a estrutura jurídica da Lei de Segurança Nacional imposta por Pequim e a lei colonial contra a sedição, que limita a liberdade de ação dos juízes. Ambos os conjuntos de leis criminalizam discursos. Por exemplo, slogans políticos, como “Liberte Hong Kong, Revolução dos Tempos”, foram interpretados como sediciosos ou atos que incitavam a secessão em vários julgamentos. O segundo é o poder de “interpretação” do comitê permanente do Congresso Nacional do Povo em Pequim para reverter decisões tomadas pelo Tribunal Superior local, tal qual demonstrado na privação do direito de Jimmy Lai de contratar um advogado do Reino Unido para representá-lo no tribunal. O terceiro problema aponta para a “paranoia das autoridades”: An oppressive atmosphere is generated by the constant drumbeat from a compliant press, hardline lawmakers, government officers and China Daily, the mouthpiece of the Chinese government. A chorus of outrage follows rate decisions to grant bail or acquit. There are continual calls for judicial ‘patriotism’. […] Intimidated or convinced by the darkening political mood, many judges have lost sight of their traditional role as defenders of the liberty of the subject, even when the law allows it. […] The least sign of dissent is treated as a call for revolution. Hefty jail sentences are dished out to people publishing ‘disloyal’ cartoon books for children, or singing pro-democracy songs, or organising silent vigils for the victims of Tiananmen Square. Uma atmosfera opressiva é gerada pela consistência de uma imprensa complacente, legisladores de linha dura, oficiais do governo e o China Daily, o porta-voz do governo chinês. Um coro de indignação acompanha as decisões de concessão de fiança ou absolvição. Há contínuos apelos ao ‘patriotismo’ judicial. […] Intimidados ou convencidos pelo clima político sombrio, muitos juízes perderam de vista seu papel tradicional de defensores da liberdade do indivíduo, mesmo quando a lei permite isso. […] O menor sinal de dissidência é tratado como um apelo à revolução. Sentenças pesadas de prisão são aplicadas a pessoas que publicam livros de desenhos animados “desleais” para crianças, ou cantam músicas pró-democracia, ou organizam vigílias silenciosas pelas vítimas da Praça Tiananmen. Reações de Hong Kong e Pequim Em resposta às críticas de Lord Sumption, o governo de Hong Kong expressou forte discordância em uma declaração: There is absolutely no truth that the HKSAR courts are under any political pressure from the Central Authorities or the HKSAR Government in the adjudication of national security cases or indeed any case of any nature; or that there is any decline in the rule of law in Hong Kong. Anyone who suggested otherwise, no matter what the reasons or motives may be, would be utterly wrong, totally baseless, and must be righteously refuted. Não há absolutamente nenhuma verdade de que os tribunais da Região Administrativa Especial de Hong Kong estejam sob pressão política das autoridades centrais ou do governo da Região Administrativa Especial de Hong Kong no julgamento de casos de segurança nacional ou, de fato, de qualquer caso de qualquer natureza; ou que há qualquer declínio no estado de direito em Hong Kong. Qualquer pessoa que sugerisse o contrário, independentemente das razões ou motivos, estaria completamente errada, totalmente sem fundamento e deveria ser justamente refutada. Em vez disso, culpou a interferência estrangeira: Real threats to the independent exercise of judicial power currently faced by the HKSAR courts indeed come from foreign government officials, politicians and political organisations, including blatant attempts to interfere with ongoing legal proceedings, and the despicable threats to impose so-called “sanctions” against judges on account of their performance of judicial functions in cases where the outcomes are not to the liking of these external forces, which are plainly contrary to fundamental principles of international law and international relations. As ameaças reais ao exercício independente do poder judiciário enfrentadas atualmente pelos tribunais da RAEHK vêm, de fato, de funcionários de governos estrangeiros, políticos e organizações políticas, incluindo tentativas flagrantes de interferir em processos judiciais em andamento e ameaças desprezíveis de impor as chamadas ‘sanções’ contra juízes por conta de seu desempenho de funções judiciais nos casos em que os resultados não agradam a essas forças externas, o que é claramente contrário aos princípios fundamentais do direito internacional e das relações internacionais. O juiz Andrew Cheung, Presidente da Corte de Apelação Final de Hong Kong, abordou os “problemas” levantados por Sumption como “uma tensão que frequentemente existe entre a proteção dos direitos fundamentais e a salvaguarda da segurança nacional” em vez de interferências políticas. A reação de Pequim foi mais militante. Um porta-voz do Gabinete de Ligação de Hong Kong e Macau criticou Sumption por difamar a lei de segurança nacional e o acusou de se deixar ser “uma ferramenta das manobras políticas do Reino Unido e um peão da interferência estrangeira que tenta destruir a estabilidade de Hong Kong”. Conflitos de lealdade Vários juízes estrangeiros não permanentes renunciaram após a promulgação da lei de segurança nacional imposta por Pequim. Em 2022, Lorde Robert Reed e Lorde Patrick Hodge renunciaram a seus cargos, citando preocupações com a erosão da liberdade política e da liberdade de expressão. Após a última rodada de renúncias, quatro NPJs permanecem em Hong Kong e sete estão baseados no exterior. Eles ocupam um dos assentos entre os cinco principais juízes no julgamento da Corte de Apelação Final. Os ativistas de direitos humanos têm criticado os NPJs por seu papel de cumplicidade na acusação política de dissidentes. Em maio de 2024, o Comitê pela Liberdade em Hong Kong (CFHK) publicou um relatório, “Dando prestígio à perseguição: Como os juízes estrangeiros estão minando as liberdades de Hong Kong e por que devem se demitir”, que listou casos de acusação política envolvendo os NPJs. Por exemplo, o ex-NPJ australiano Anthony Gleeson esteve envolvido na condenação da proeminente ativista Chow Hang-tung em um julgamento, em janeiro de 2024, por incitar uma assembleia não autorizada (vigília anual à luz de velas) em 2021, apesar de ela ter ganhado um recurso contra a sentença do Tribunal Distrital no Supremo Tribunal em 2022. Dois meses depois, Gleeson expressou que não desejava renovar sua nomeação e renunciou ao cargo de juiz. O relatório também apontou que alguns dos NPJs britânicos são membros da Câmara dos Lordes no Reino Unido e fizeram um juramento de fidelidade à Coroa. Isso resultou em “conflitos irreconciliáveis”, pois espera-se que os NPJs também defendam o governo de Hong Kong. Entre os sete NPJs estrangeiros restantes, Lorde Neuberger de Abbotsbury, Lorde Phillips de Worth Matravers e Lorde Hoffmann estão em tais posições conflitantes. Enquanto isso, uma voz crescente do campo pró-governo em Hong Kong pede o fim da nomeação de NPJs estrangeiros. Ronny Tong, um importante conselheiro do governo, escreveu no South China Morning Post: At the end of the day, one is forced to arrive at the logical conclusion that foreign judges sitting on our Court of Final Appeal is more for perception, or for show, if you like, rather than actually making a difference in the exercise of the judicial function. […] So do we still need British judges to shore up our reputation? Some would argue not. Few other places on Earth allow foreign judges to sit on their final appeal court, so should we continue this tradition, for want of a better word, forever? No final das contas, somos forçados a chegar à conclusão lógica de que a presença de juízes estrangeiros em nossa Corte de Apelação Final é mais para fins de percepção, ou para exibição, se preferir, do que para realmente fazer a diferença no exercício da função judicial. […] Então, será que ainda precisamos de juízes britânicos para fortalecer nossa reputação? Alguns argumentam que não. Poucos outros lugares no mundo permitem que juízes estrangeiros participem de sua Corte de Apelação Final, então devemos continuar essa tradição, por falta de uma palavra melhor, para sempre? Como as forças pró-democracia e pró-governo não são a favor da presença de NPJs estrangeiros no sistema judicial, a prática jurídica pode acabar em breve e a tradição jurídica da Common Law de Hong Kong pode se tornar mais híbrida em um sistema totalitário, como previu Lorde Sumption. [END] --- [1] Url: https://pt.globalvoices.org/2024/06/24/hong-kong-o-subtexto-politico-por-tras-dos-pedidos-de-renuncia-de-juizes-estrangeiros-nao-permanentes/ Published and (C) by Global Voices Content appears here under this condition or license: https://globalvoices.org/about/global-voices-attribution-policy/. via Magical.Fish Gopher News Feeds: gopher://magical.fish/1/feeds/news/globalvoices/